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16 de julho de 2010

COMO CONSTRUIR UMA ECONOMIA MAIS JUSTA?

COMO CONSTRUIR UMA ECONOMIA MAIS JUSTA?

Cimar Alejandro Prieto Aparicio (*)
Marcus Eduardo de Oliveira (**)


Indiscutivelmente, todos desejam viver num mundo melhor; de preferência com oportunidades de ascensão social, com um bom emprego, acesso à renda e com possibilidade de desfrutar do bem-estar. No entanto, sempre é bom se perguntar: como obter isso? Dito de outra forma: como construir esse “outro mundo” desejável, com mais justiça e menos desigualdade?
A construção desse “outro mundo” passa, inquestionavelmente, pelo sistema econômico que se estabelece, por primazia, na tentativa de conduzir a atividade econômica a bom termo. A economia (ciência e atividade), em sentido geral, tem esse “poder” de melhorar ou prejudicar, consideravelmente, a vida de muita gente. Eis porque se faz necessário estabelecer um sistema econômico com abrangência em torno da preocupação com as questões sociais, pois, não se deve perder de vista que a economia é, na prática, uma ciência humana, e não exata.
O fato – indiscutível - é que a ciência econômica moderna não pode mais ser pensada sem a inclusão da esfera social. É imprescindível pensar uma teoria social global que seja capaz de incluir os diversos atores do cenário sócio-econômico. Assim como também é de fundamental importância pensar em desenvolvimento sem desconsiderar o problema ecológico.
Constata-se facilmente que a desigualdade em um país como o Brasil, dado o seu nível de riqueza e de crescimento econômico, é inaceitável. Houve uma recente melhora na distribuição de renda, mas a nossa sociedade abrigava quase 50 milhões de pessoas em situação de pobreza em 2008, segundo estudo do IPEA, ou seja, essas pessoas viviam em famílias com uma renda mensal per capita abaixo de R$190,00. Além disso, ainda existem milhões de miseráveis que estão sujeitos a fome, embora o Brasil seja o quinto país em extensão territorial, com mais de 670 milhões de hectares agricultáveis. E a questão da fome continua a ser tratada apenas com medidas paliativas. Esta é uma nação com uma indústria de ponta que exporta aviões e calçados, mas mantém milhões de pessoas andando descalças. Percebe-se com clareza que o sistema econômico é, no mínimo, injusto. Sair dessa injustiça e incorporar os milhões de necessitados em uma economia solidária, fraterna, de comunhão e socialmente equilibrada é o passo a ser dado, caso se queira, de fato, caminhar de cabeça erguida em direção a um mundo melhor.
Aristóteles afirmou que a posse de um nível mínimo de renda é necessária para que o homem possa viver com dignidade e conforme a virtude. Como se pode criar uma economia mais justa e com menos pobreza? Sem dúvida, a manutenção de uma constante e elevada taxa de crescimento econômico é uma condição indispensável para a melhoria das condições de vida, juntamente com uma adequada política de transferência de renda. Mas não se pode cair em uma visão determinista e ver tudo em função de uma engenharia social. É preciso considerar também o desenvolvimento humano, que enfatiza a importância e a dignidade de cada pessoa. Isso não depende só de uma boa política econômica, mas de iniciativas de cooperação e solidariedade que podem ser realizadas por cada um de nós em escolas, empresas e em qualquer organização da sociedade civil. Um exemplo disso é o Instituto Ethos, que incentiva empresários e executivos a gerir seus negócios de forma socialmente responsável.
É fundamental que aqueles que se encontram em melhor situação econômica atuem ética e politicamente para a redução da pobreza e da desigualdade social.

(*) Economista (USP) e mestrando em Demografia (Unicamp).
(**) Economista (FEAO), mestre pela USP, é professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO.
Ambos são membros do GECEU – Grupo de Estudos de Comércio Exterior do UNIFIEO.
Contato:
cimar.aparicio@gmail.com
prof.marcuseduardo@bol.com.br

OS LIMITES DO CRESCIMENTO ECONÔMICO



OS LIMITES DO CRESCIMENTO ECONÔMICO

Marcus Eduardo de Oliveira


A tradicional receita econômica, numa visão simplista, de curtissímo prazo, tem sido clara: para acabar com a pobreza, distribuir renda e gerar empregos, basta fazer a economia crescer. Será isso verdadeiro? Sendo verdadeiro, haverá um “ponto de quebra” do qual ultrapassar torna-se preocupante e perigoso? Em outras palavras, haverá limites para esse crescimento ou deve o sistema econômico buscar, a todo custo, expandir esse crescimento, tendo em vista que urge diminuir o fosso social que caracteriza, por exemplo, a situação em que vive quase metade da população mundial? Nesse pormenor, lembremos de uma triste cifra: há um bilhão de estômagos vazios vagando pelo mundo.
Contudo, antes de se pensar em qualquer modelo de crescimento econômico, as ações dos governantes devem (ou deveriam) repousar, prioritariamente, sobre a existência factual de limites ao crescimento. O fato concreto, real, que não é passível de dúvidas, é que há limites para o crescimento econômico e para o progresso material e esses passam, inevitavelmente, pela preservação dos recursos naturais e energéticos.
Numa situação como a atual em que o nível de consumo mundial tem sido exageradamente inconseqüente, os “gargalos” do crescimento logo se fazem presentes, e as situações sociais e econômicas advindas de um crescimento exagerado e ambientalmente destruidor se tornam a cada dia insustentáveis.
De concreto, cumpre apontar que uma vez ultrapassados esses “gargalos” (limites) chegar-se-á a uma situação de total inversão dos ganhos: de crescimento econômico “pretensamente capaz” de diminuir a desigualdade social, entraremos, posteriormente, numa situação contraproducente com forte tendência a gerar mais desequilíbrios por conta do excessivo crescimento que não “respeitou” antes esses limites, até mesmo porque crescer economicamente não significa (e nunca significou) assegurar, por conseqüência, qualidade de vida.
Metaforicamente, essa situação pode ser ilustrada da seguinte forma: é como encher um copo com água até que este transborde. O excesso, nesse caso, irá gerar desperdício e esse, no ambiente econômico atual de escassez de recursos, produzirá custos (passivos) na tentativa (vã) de se recuperar a situação anterior. Portanto, crescer de forma exagerada, sem o devido controle e cuidado com a questão ambiental, é como crescer em área movediça: não há sustentabilidade. Não há ganhos, mas, sim, custos (perdas consideráveis).
Outra boa maneira de verificarmos essa situação é atentar-se para a questão do ponto de vista estritamente social. Atualmente, apenas 20% (vinte por cento) da população mais rica do mundo utilizam ¾ (75%) dos recursos naturais, numa situação em que metade da população (3 bilhões) está na pobreza, conforme apontamos logo no início desse artigo.
Henrique Rattner, economista brasileiro estudioso da questão ambiental, nos afirma que “pelo menos 1/3 da população vegeta nos limites de sobrevivência, não tendo acesso à água potável, saneamento, alimentação básica e serviços essenciais como educação e saúde e isto, apesar da incorporação de centenas de milhões de deserdados como produtores e consumidores na China e, em grau menor, na Índia”.
A desigualdade não pára por ai: o caso da água pótavel é gritante. É sabido que a quantidade de água doce disponível na Terra é de apenas 0,5% do total das águas, incluindo as calotas polares geladas. Devido à urbanização intensa, os desmatamentos e a contaminação por atividades industriais e agrícolas (bases de um crescimento econômico sem limites), mesmo esta pequena quantidade de água está diminuindo, causando a desertificação progressiva da superfície da terra. O consumo de água, em consequência da urbanização (o crescimento econômico que não encontra fronteiras) dobra a cada 20 anos, mais rapidamente que o crescimento da população. Se, de acordo com as estatísticas das Organizações das Nações Unidas (ONU), centenas de milhões de pessoas carecem de acesso à água potável, por outro lado, continua o consumo de desperdício (o exagero) desse precioso líquido por parte dos mais afortunados que podem pagar pelo serviço. Vejamos que: enquanto regiões imensas na África, Ásia e América Latina carecem de recursos hídricos mínimos, nas regiões “desenvolvidas”, além de excesso de consumo, aumenta a poluição de rios, lagoas e lençóis freáticos e aqüíferos subterrâneos (novamente, é o crescimento sem limites se fazendo presente), tudo em nome de um suposto crescimento econômico que, reitero, parece não encontrar freios a sua expansão.
Ainda pelo lado da questão ambiental, outra boa maneira de analisarmos o atual “estrago” desse crescimento econômico sem “respeito” aos recursos naturais e energéticos é considerarmos o Índice Pegada Ecológica.
Esse conhecido índice que mede a área de terra e água que uma população humana requer para produzir os recursos que consome e para absorver seus desperdícios, considerando a tecnologia existente nos mostra que há 1,8 hectares de área disponível para cada habitante, dentro do padrão que se pode considerar sustentável. No entanto, o consumo global atual vem apresentando uma média de consumo relativo a 2,2 hectares por habitante.
O ensaísta alemão Robert Kurtz, num esclarecedor e aterrorizante artigo intitulado “O Programa Suicida da Economia” alerta que as condições elementares da vida, como a água, o ar e a terra, estão expostos a um crescente processo de envenenamento. A camada protetora de ozônio na atmosfera é corroída. Diz Kurtz que “no Sul da Argentina e na Austrália, uma infinidade de ovelhas já pasta com cancros à mostra. Os desertos avançam dia a dia, e há prognósticos de que a guerra do século 21 terá como estopim o controle de mananciais hídricos”.
Essa preocupação em conciliar o crescimento da economia com a questão ambiental remonta do início dos anos 1970, quando da primeira reunião do Clube de Roma e da divulgação do relatório “The Limits to Growth” que já alertava ao seguinte:
Se as atuais tendências de crescimento da população mundial industrialização, poluição, produção de alimentos e diminuição de recursos naturais continuarem imutáveis, os limites de crescimento neste planeta serão alcançados algum dia dentro dos próximos cem anos. O resultado mais provável será um declínio súbito e incontrolável, tanto da população quanto da capacidade industrial.
Os custos do transporte e a emissão de poluentes
Fora isso, resulta, todavia, outro problema: a insensatez em face ao processo de globalização, em não se atentar aos exorbitantes custos do transporte nesse “intercâmbio produtivo” para levar diversos produtos às geladeiras mais distantes, pouco importando se, para tanto, a emissão de poluentes, o gasto energético e a quantidade de CO2 geradas serão maléficos.
A esse respeito cabe perguntar: como desconsiderar, por exemplo, o custo do petróleo, em contrapartida do uso abusivo de veículos automotores? A título de melhor esclarecimento, cumpres ressaltar que apenas nos Estados Unidos circulam 80 veículos para cada 100 habitantes (aproximadamente 250 milhões); na Alemanha são 55 por 100 habitantes e índices semelhantes são encontrados em outros países desenvolvidos somando quase um bilhão de veículos a motor, hoje alimentados por petróleo cujos preços oscilam ao doce sabor das vontades dos chefões da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
Quanto às “viagens” dos produtos de um lugar ao outro, em nome dessa globalização que pretende estreitar fronteiras, tomemos como exemplo que um simples frango congelado nos Estados Unidos viaja, em média, 3.000 milhas antes de ser consumido.
Um estudo realizado na Alemanha apontou que um pote de iogurte de morango produzido nesse país acumula 5 mil quilômetros de transporte. O leite vem do Norte da Alemanha, o morango vem da Áustria, o pote é francês e o rótulo vem da Polônia. A Noruega manda bacalhau para a China. As ervilhas consumidas na Europa são cultivadas e embaladas no Quênia. O kiwi, uma fruta natural da Nova Zelândia encontra mercado nos Estados Unidos que, por sua vez, a compram da Itália. Essa fruta nas mãos da empresa Sanifrutta, exportadora italiana, viaja por mar em contêineres refrigerados: 18 dias até os Estados Unidos, 28 dias até a África do Sul e mais de um mês para chegar de volta à Nova Zelândia. O Reino Unido vende anualmente 20 toneladas de água engarrafada para a Austrália. Esse mesmo Reino Unido consome uvas vindas da África do Sul, a erva-doce vem da Espanha e a abóbora, da Itália.
As batatas Pringles, fabricadas pela Procter & Gamble, por exemplo, atualmente são vendidas em mais de 180 países, apesar de serem fabricadas apenas em alguns poucos lugares. Isso é simplesmente a orgia do desperdício e do custo em termos de poluição, especialmente o dióxido de carbono. Esse aparente “custo invisível” se “esconde” nas sombras dos menores custos produtivos e dos salários baixos, não importando a localidade para onde vai. O que conta nesse caso são os ganhos monetários em detrimento da própria sustentabilidade ambiental.
Se tomarmos apenas os custos advindos da poluição notaremos que esses, apenas fora das fronteiras de uma cidade como São Paulo, conforme estudos do Laboratório de Poluição da USP (Universidade de São Paulo), consome a importância de R$ 14 por segundo (R$ 459,2 milhões anuais) para tratar seqüelas respiratórias e cardiovasculares de vítimas do excesso de partícula fina - poluente da fumaça do óleo diesel. Esse valor é dispensado por unidades de saúde públicas e privadas de seis regiões metropolitanas do país.
O caso específico da cidade de São Paulo merece maior atenção. Todos os dias, 8,2 toneladas de poluentes são despejadas sobre a cidade. São mais de 3 milhões de toneladas/ano, 90% delas provenientes de veículos automotores. A pior parte vem dos motores movidos a diesel.
Nas seis regiões metropolitanas do país, esse quase meio milhão de reais gastos serve apenas para tratar de questões relativas à poluição advindas, em especial, do intenso trânsito (leia-se: congestionamento) nas grandes cidades que diariamente nos “brindam” com emissões de poluentes diversos e seus resultantes: Monóxido de Carbono (CO), que causa tonturas e dores de cabeça; Hidrocarbonetos (HC) que contribui para a irritação nos olhos, nariz, pele e parte do sistema respiratório; Óxido de Nitrogênio (NOx) com irritação e contrição das vias respiratórias e, Materiais Particulados (MP).

Outro risco: a inflação
Se já não bastasse o custo com a poluição, outro risco desse transporte de alimentos de um lugar para outro é a inflação – prestes a “explodir” a qualquer momento. De acordo com a FAO (Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas), o comércio de alimentos ficará nesse ano (2010) mais caro devido ao custo de transportes. Desde janeiro do corrente ano, o frete a partir dos EUA para importadores principais, como o porto de Roterdã, Egito e Bangladesh, está 400% mais alto que em 2000.
Tudo isso, além de problemas climáticos, guerra e conflitos civis em países produtores pioraram o cenário para importação. De acordo com estudos da FAO (Fundo de Alimentos e Agricultura, da ONU) os preços da maioria das commodities agrícolas (produtos agrícolas básicos) tiveram grande aumento nos últimos dois anos, desde fins de 2008 e início de 2009. São exemplos disso o arroz (217%), trigo (136%), milho (125%) e soja (107%). Ao final de 2009, de acordo com a FAO, o custo global de importação de alimentos deve chegar a US$ 1.035 bilhões, 26% a mais do que no ano de 2008. Os países economicamente mais vulneráveis vão pagar a maior conta no custo de importação de alimentos – é a inflação que poderá chegar em breve. A despesa total dos países em desenvolvimento deve aumentar entre 37% e 40% em relação aos dois últimos anos. A preocupação nesse caso é o risco de termos uma inflação causada pelos custos do transporte de alimentos que repicará em várias economias. Pelo jeito, os limites do crescimento, por não serem respeitados, começam a causar outros males que a ciência econômica logo tratará de encontrar suas “justificativas” e, de quebra, também encontrar os “culpados”.

Marcus Eduardo de Oliveira, economista brasileiro, é professor universitário em São Paulo. Possui mestrado em Estudos da América Latina e especialização em Política Internacional, pela Universidade de São Paulo (USP). Seus estudos ainda passam pela Universidade de La Habana (Cuba) e pelo Centro de Estudos Sociais e Políticos de Buenos Aires (Argentina).
Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br

http://twitter.com/marcuseduoliv

A ECONOMIA E A TEOLOGIA




A Economia e a Teologia
Marcus Eduardo de Oliveira (*)

“A economia é feita pelos homens e para os homens”
Karol Wojtyla (João Paulo II).

O teólogo e professor Jung Mo Sung, em “Teologia e Economia – Repensando a Teologia da Libertação e Utopias”, (**) no prefácio a terceira edição dessa obra, pontua que: “Tudo ou quase tudo gira em torno da economia e se justifica em termos econômicos. O valor da vida de uma pessoa é medida em termos de seu sucesso econômico, assim como, em muitas igrejas, o sucesso econômico também passou a ser critério para ‘medir’ as bênçãos recebidas pelos fiéis e pela própria igreja”.
Apenas por essa singela colocação, o professor Sung contextualiza, no âmbito geral, algo que tem passado despercebido pela maioria, quer seja de teólogos ou de economistas sociais: a relação que existe entre a Economia e a Teologia.
Tal relação ganha maior proeminência, em nosso entendimento, à medida que se pensa que tanto a Economia quanto a Teologia nasceram, de certo modo, para compreender e encontrar alternativas para as graves desigualdades sociais existentes no mundo.
Esse sentimento é reforçado por Gustavo Gutierrez - célebre teólogo peruano, autor do clássico “Teologia da Libertação – Perspectivas”, obra de 1971 -, quando atesta que “(...) a teologia, enquanto reflexão crítica cumpre uma função libertadora do homem”. Eis porque é necessário promover, ainda nas palavras de Gutierrez, “(...) a libertação econômica, social e política, e a libertação que leva à criação de um homem novo numa sociedade solidária”. (in Sung, p. 69).
Ora, tais pressupostos (libertação e criação de um homem novo, desprovido dos vícios inerentes a sistemas excludentes) embasam, ao menos, dois tipos alternativos e contemporâneos de se fazer e pensar a economia social. Esses dois tipos são a Economia Solidária (ES) e a Economia da Comunhão (EdC) – a partir de um de seus elementares pressupostos: a cooperação-partilha. Conquanto, não é o objetivo deste artigo esboçar análise sobre esses dois tipos de economia social.
Apenas convém reiterar que a partir da constatação desses tipos de economia, que envolve a prática da solidariedade, podemos ver respondida afirmativamente a tentativa de se promover sociedades mais justas e humanas. Para isso, é fundamental se pensar numa melhor relação entre Teologia e Economia, uma vez que ambas podem (e devem, contudo) ser usadas para a promoção da igualdade social e do resgate aos mais necessitados.
No entanto, é mister afirmar que a relação entre Teologia e ação econômica somente se tornará fecunda mediante o entendimento do seguinte: é preciso ter claro o estabelecimento, em definitivo, da necessidade dos homens se libertarem. As amarras impostas, tanto do lado teológico, quanto e, principalmente, do lado econômico, impedem, sobremaneira, o homem de prosperar. Essas amarras significam, grosso modo, dependência e submissão. Ninguém, estando submisso e/ou dependente a algo, a alguém e/ou a um sistema qualquer consegue evoluir.
É por isso que a necessidade de libertação está contida, por exemplo, nos pressupostos da Teologia da Libertação, a partir da opção que essa faz preferencialmente em torno de ver erradicado os males da pobreza. A necessidade de se promover a libertação do homem oprimido também está presente na ação econômica quando, por meio de políticas públicas estritamente econômicas e eficazmente sociais, tende a facilitar o caminho ao desenvolvimento; afinal, o desenvolvimento traz embutido consigo a promessa de libertar. Não por acaso, Amartya Sen, um dos economistas mais proeminentes da atualidade, pontua o “desenvolvimento como liberdade” (Development as Freedom).
No entanto, para que esse sentimento não alcance o malogro, a teoria econômica ainda deverá evoluir o bastante para ensinar os teóricos insensíveis e mecanicistas dessa ciência social a incorporar, como objetivo e fundamento principal da macroeconomia – a promoção da igualdade social.
Outro ponto não menos importante nessa necessária evolução da teoria econômica é derrubar o paradigma dominante que sugere que crescimento seja visto como sinônimo de progresso.
Como a estupidez anda de mãos dadas com a cegueira intelectual de alguns, ainda não há clareza suficiente para enxergar que crescimento econômico diz respeito apenas a dimensão quantitativa da produção econômica, ao passo que desenvolvimento permeia a idéia central de incorporar no mercado a massa marginalizada. No Brasil, essa massa de excluídos conta mais de 30 milhões de pessoas buscando igualdade social e melhor participação efetiva nos meandros que orientam a economia -, buscando, outrossim, melhorar a qualidade de vida, por meio de oportunidades sociais.
Cabe à Economia, nesse pormenor, criar um novo futuro para o homem. Disso provém a necessidade de estabelecer um humanismo econômico que promova, por sua vez, a conexão entre a Teologia - que defende a libertação do homem - com um sistema econômico includente que ponha esse homem livre dentro da atividade produtiva.
O homem, sendo ele o construtor de sua história, deve saber fazer uso das ciências – principalmente as sociais – para facilitar sua ascensão, tanto material, mas, principalmente, espiritual, embasada, de preferência, no nobre sentimento da cooperação. Disso decorre a necessária simbiose que aqui estamos defendendo, a exemplo do professor Sung, em obra citada, entre estreitar os laços da Teologia com os da Economia.
Para isso, urge construir algo mais: é preciso edificar um sistema econômico qualitativamente diferente do atual. Um sistema econômico que puxe o crescimento da economia e direcione suas benesses para consolidar a busca do que realmente importa: o desenvolvimento econômico. E que esse, uma vez alcançado, seja um desenvolvimento que não se limite a uma mera questão de ter algo mais, mas, de ser mais. De um desenvolvimento, por fim, que seja capaz de ser “o novo nome da paz”, para parafrasearmos o papa Paulo VI, em sua encíclica Populorum Progressio.
Quanto à Teologia, nessa mesma linha de contextualização, é importante frisar que essa se inscreve com força maior quando afirma, em definitivo, sua luta em defesa das comunidades carentes. Ao fazer isso, a Teologia não está fazendo outra coisa senão a prática de uma pura economia social, principalmente quando reitera a necessidade da comunhão e cooperação entre os mais necessitados.
Esse tipo de economia social praticado pela teologia humana e caritativa visa, unicamente, levantar do chão o homem ali derrubado pela miséria, sabendo ser esse uma vítima potencial das constantes e crescentes injustiças econômicas.
No que toca aos termos da Economia, é forçoso enaltecer ainda que somente alcançando-se o desenvolvimento – e nada mais – conseguir-se-á ser livre. Conquanto, cabe reiterar que essa liberdade apregoada pela Teologia e pela Economia, em certo sentido, tende a se firmar quando se assume o compromisso de colocar as pessoas em primeiro lugar, e de fazer com que a economia e a teologia sirvam as pessoas, e não o contrário.
Sem essas premissas (de libertar e de ajudar o próximo), parece-me adequado afirmar que tanto a economia (social), quanto a teologia (humana) não apresentam sentido de existirem.
Afinal, é importante não perder de vista que as aspirações tanto da economia social quanto do pensamento cristão é o de resgatar as pessoas para a vida; para uma vida plena, sem injustiças ou amarguras. Na essência, espera-se que tanto a Economia quanto a Teologia cumpram, de fato e de direito, as palavras de Jesus, proferidas um dia antes de sua crucificação: “Que todos sejam um só”.

(**) Publicado pela Fonte Editorial, 2008.

(*) Economista brasileiro, é especialista em Política Internacional. Articulista dos sites “O Economista”, “Portal EcoDebate” e Agência Zwela de Notícias (Angola).
Autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um Economista” e “Provocações Econômicas” (no prelo).
Os artigos desse autor em torno de questões econômicas têm sido amplamente publicados no Brasil e no exterior, com destaque em Portugal, Cabo Verde, Timor Leste e Angola, além de Rússia, pelo jornal PRAVDA (em sua página em português destinada aos países da CPLP).
Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br

A ECONOMIA DE COMUNHÃO













A Economia de Comunhão: o outro nome da Fraternidade
Marcus Eduardo de Oliveira (*)

O distanciamento entre as pessoas, a agressão ao meio ambiente, a consolidação de um modelo econômico que enaltece o consumo conspícuo, a busca desenfreada pelo dinheiro, o crescimento das injustiças sociais e a desvalorização dos princípios básicos que modelam a teia da vida. Tudo isso somado, provocando profundo descontentamento, tem levado cada vez mais pessoas à reflexão em torno de se resgatar os laços de sociabilidade e de afirmar um compromisso em prol de um mundo melhor.
É nesse sentido que crescem ações que buscam primordialmente reverter essa tendência de distanciamento entre as pessoas, tentando aproximá-las pela prática da partilha. Tentativas de novos agrupamentos em favor de ações coletivas, cercadas de cooperação e união entre os membros tem se destacado com mais freqüência numa época em que os valores monetários tem se soerguido, sobremaneira, em relação aos valores sociais.
Uma tentativa nessa linha de atuação cooperativa que merece destaque é a Economia de Comunhão (EdC) - um movimento que ainda não completou duas décadas de existência.
A comunhão (comum união entre os membros) tem sido uma porta de entrada para a solidificação de um novo modo de fazer economia, no qual esteja presente a prática da comunhão-cooperação-fraternidade. A Economia de Comunhão pode ser resumida, em poucas palavras, como sendo a combinação de eficiência econômica com solidariedade, tendo como arrimo o princípio da cooperação.
A verdade é que a busca pela justiça social e um lugar para se viver em que “entre eles não haja necessitados” (lema da EdC) e nenhum tipo de necessidade, tem sido discutido amplamente entre aqueles que se põem a construir uma nova maneira de pensar a própria vida a partir das relações econômicas, tendo como elemento integrador desse sistema as empresas. Esse é o modelo de atuação da Economia de Comunhão que procura, por meio de redes (conjunto de pessoas ou organizações interligadas direta ou indiretamente) por a economia à serviço do atendimento aos mais pobres, pois percebe claramente que os sistemas econômicos tradicionais são (e tem sido) incapazes de tirar a fome da boca de uma criança. O ponto focal desse novo “pensamento econômico” é a cooperação e a ajuda mútua (é a cultura do dar e do doar-se) entre os agentes e o amplo e irrestrito apoio aos projetos sociais. O propósito é um só: levar a dimensão da fraternidade para a macroeconomia que dita, na essência, as políticas econômicas públicas. O objetivo? Fazer com que a teoria econômica tradicional seja sensível à economia social.
Nas palavras de Chiara Lubich (1920-2008), ativista social italiana, criadora desse movimento a partir de uma visita feita às comunidades carentes em São Paulo, em 1991, “a Economia de Comunhão deve canalizar capacidades e recursos para produzir riqueza em prol dos que se encontram em dificuldades. Os lucros devem ser livremente colocados em comum, divididos em três partes, no seguinte sentido: 1) Ajudar os pobres e dar-lhes sustento, enquanto não conseguirem um posto de trabalho; 2) Desenvolver estruturas de formação de ‘homens-novos’, ou seja, pessoas formadas e animadas pelo amor, capazes de viver a ‘ cultura da partilha’, e; 3) Incrementar e fortalecer a própria empresa. (CHIARA, 1999. “O Movimento dos Focolares e a Economia de Comunhão”, Vargem Grande Paulista, Ed. Cidade Nova).
Como podemos notar, algumas ações em prol da construção de um mundo melhor estão em plena atividade; resta, de nossa parte, uma maior participação, afinal, em se tratando de resgatar à vida, isso não pode esperar por muito tempo.

(*) Professor de economia da FAC-FITO e do UNIFEIO (São Paulo). Colunista do Portal EcoDebate e da Agência Zwela de Notícias (Angola).
Autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um Economista” e “Provocações Econômicas” (no prelo).
Os artigos desse autor em torno de questões econômicas têm sido amplamente publicados no Brasil e no exterior, com destaque em Portugal, Cabo Verde e Angola, além do jornal PRAVDA (Rússia).
Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br

AS PESSOAS EM PRIMEIRO LUGAR



POR UMA ECONOMIA QUE COLOQUE
AS PESSOAS EM PRIMEIRO LUGAR

Marcus Eduardo de Oliveira (*)

Para aqueles que labutam no desejo em ver construída uma economia com uma face mais social e humana, voltada a atender as necessidades das camadas populares mais necessitadas, um primeiro ponto de ruptura, para que isso de fato se suceda, deve ser buscado urgentemente. É imprescindível, nesse pormenor, que se rompa com a idéia dominante – e fortemente presente - da estatística voltada unicamente na obtenção cega de elevadas taxas de crescimento econômico, como se uma vez alcançada essas taxas, todos os problemas sociais prontamente estarão resolvidos.
A tradição da teoria econômica, desde a obra seminal de Adam Smith, publicada em março de 1776, tem sido manifestada largamente nos livros-texto insistindo grosseiramente que o crescimento econômico é a receita infalível para o progresso geral.
Em síntese, essa recomendação “técnica” atesta que basta viver sobre uma economia em larga margem de crescimento que as oportunidades sociais logo serão estendidas a todos; e as necessidades básicas de cada um, por conseqüência, serão plenamente satisfeitas. Para tanto, a economia tradicional insiste em concentrar esforços na busca desse crescimento, ignorando, por exemplo, que pelo meio do caminho haverá ocorrências de passivos ambientais advindos de um crescimento agressivo em termos de utilização dos limitados e finitos recursos naturais. Por sinal, nesse sentido, a tradição econômica enxerga o oposto: trata a atividade econômica como se essa não necessitasse de novas entradas de energia e matéria, e como se fosse possível expandir a produção ininterruptamente, a bel-prazer das forças mercadológicas.
A matemática desse crescimento econômico a qualquer custo - é importante frisar tal fato - tem se comportado de maneira torpe em termos de análises dos fatos colaterais. Nesse modelo que procura favorecer a expansão econômica a qualquer monta, o que importa é crescer; assim recomenda com veemência a economia tradicional que entende crescimento como sinônimo de progresso, e confunde consumo conspícuo com felicidade e bem-estar.
Por outro lado, é importante ressaltar que o ponto central de uma economia que faça a reversão desse modelo em direção a uma estruturação mais humana e menos tecnicista da atividade econômica, que seja mais social e menos mecânica e rebarbativa, diferentemente, portanto, da tradicional economia, está em usar as técnicas e modelos econômicos de maneira a atender satisfatoriamente as necessidades dos menos privilegiados, ou seja, daqueles milhões de seres humanos que se encontram “excluídos da economia mundial”, nos dizeres do Nobel Amartya Sen.
Nesse sentido, o eixo dessa “nova economia” (se assim abusarmos desse chavão) com características mais solidária e humana consiste em colocar as pessoas em primeiro lugar. O que importa prioritariamente para nós que defendemos essa linha de raciocínio são as pessoas e suas necessidades elementares, e não o mercado e suas mercadorias. O foco desse modelo diferenciado de fazer economia está na cooperação (que soma e inclui), e não na competição (que divide e exclui). Lembremos que a ciência econômica é feita pelos homens e para os homens.
Destarte, para os que estão comprometidos com essa mudança em prol de uma economia mais justa e fraterna, crescimento econômico deve ser visto tecnicamente em termos quantitativos, enquanto desenvolvimento necessariamente deve ponderar a favor dos termos qualitativos, incluindo, evidentemente, a possibilidade de se atingir bem-estar. Dessa forma, desenvolvimento econômico, no dicionário técnico significa, grosso modo, a capacidade de descobrirmos o que de fato podemos fazer e ser. Alcançada tal condição, certamente passaremos a dar um valor diferenciado à vida.
Assim, nos parece que aceitar essa última premissa como verdade e, antes, fazer disso um ideal de luta, é se colocar afirmativamente ao lado daqueles que tanto necessitam de ajuda: os “excluídos da economia mundial” cujas cifras são cada vez mais assustadoras em escala mundial: 1 bilhão de estômagos vazios; 1,5 bilhão de pessoas sem acesso à água potável; 19 crianças com menos de 5 anos de idade mortas a cada cinco minutos de pneumonia; 500 mil mães morrendo a cada ano na hora do parto devido a assistência médica insuficiente; 5 milhões de crianças que a cada ano não completam 5 anos de vida.
Ademais, é imperioso reforçar que a economia (ciência e atividade produtiva) tem todas as condições de fazer avançar um programa de recuperação social, desde que, é claro, se rompa, abruptamente, com o pragmatismo dominante da tradicional economia que insiste em medir a realidade social por números e valores monetários, como se a “vida econômica” se resumisse a uma mera questão matemática. É urgente, pois, mudar-se o eixo da economia e, definitivamente, firmar políticas públicas que coloquem as pessoas em primeiro lugar; afinal, a ciência econômica desde seu surgimento nasceu para dar uma resposta positiva à vida de todos nós.

(*) Economista, com mestrado pela USP e especialização em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESP). É professor titular do Depto. de Economia da FAC-FITO e do UNIFIEO (Osasco, SP).
É membro do GECEU – Grupo de Estudos em Comércio Exterior do UNIFIEO.
Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br

AFINAL, QUAL É A PRIORIDADE DA ECONOMIA?



AFINAL, QUAL É A PRIORIDADE DA ECONOMIA?
Marcus Eduardo de Oliveira (*)


Coube inicialmente aos clássicos ingleses, a partir do final do século XVIII, fazer do estudo da economia uma disciplina e dar a essa uma essência de ciência. O fundamento principal das primeiras preocupações desses estudiosos foi um só: determinar as causas do “progresso das nações”, para tomarmos a expressão usada pelo maior líder dessa corrente de pensamento, o escocês Adam Smith.
No decorrer do tempo, as preocupações subjacentes, bem como os legados teóricos deixados por outros nomes de relevância dessa “escola de pensamento”, dentre eles, Ricardo, Malthus, Benthan, Stuart Mill e mesmo Karl Marx, foram diversificando-se para ganhar corpo sistemático, contribuindo, assim, para fazer da economia uma disciplina “preocupada” com a realidade sócio-econômico dos povos.
Nessa linha de raciocínio, muitas foram às abordagens que passaram a ocupar certa proeminência, entre essas cabe citar: a preocupação com excesso populacional, a renda da terra, o valor do trabalho, os rendimentos decrescentes, os princípios das vantagens absoluta e comparativa, e a possibilidade de se ajudar ou não os mais pobres, contribuíram, sobremaneira, para que as ciências econômicas se tornassem uma disciplina de ordem tipicamente humana. Nada, portanto, tendo em comum – até o aparecimento da Revolução Marginalista – com as questões que envolviam análises voltadas à matemática e a valores dos bens em torno do fator subjetivo da utilidade.
Foi, pois, a partir da chegada independente (um não conhecia o trabalho do outro) dos marginalistas – Walras, Menger e Jevons – que os aspectos quantitativos passaram a apresentar certa proeminência em termos de análises econômicas.
No entanto, não nos prenderemos aqui a discorrer especificamente sobre a evolução que houve em torno do pensamento econômico - dos marginalistas à economia neoclássica - por julgarmos que há a esse respeito vasta literatura. Todavia, desejamos apenas pontuar uma questão que nos parece ser muito relevante: afinal, qual é a prioridade da economia? É olhar as múltiplas questões pelas lentes “quantitativas” expressas em números, cifras, indicadores e valores diversos ou pela ótica “qualitativa” que engloba mensurar o grau de satisfação das pessoas, chegando aos ditames que cerca a idéia do bem-estar social?
Lançar-se na “aventura” de tentar responder essa indagação crucial é certamente abraçar fatos históricos que marcam o pensamento econômico. Ademais, tal procedimento leva à possibilidade concreta de ferir determinados postulados que ainda hoje resiste às duras penas. Um desses postulados, por exemplo, atesta que a finalidade ímpar da economia é criar condições para que as nações avancem; ou se preferirmos adotar o linguajar técnico-mecanicista, a palavra mais correta a ser empregada nesse caso seria “crescimento”. Aqui a idéia que fica é fazer a economia crescer, custe o que custar.
Pois bem. Dessa contextualização, muitas foram às idéias lançadas para se “descobrir” então os mais fáceis e transitáveis caminhos que levam ao dito e propagado “crescimento”. Nesse pormenor, o convencionalismo econômico, desde os clássicos ingleses, fortemente enraizado em momentos posteriores na economia neoclássica tradicional, recomenda que basta acumular capitais, propor uma adequada divisão do trabalho e especializar a mão-de-obra que a geração de riqueza se aproxima.
Outros, no entanto, além de recomendarem a acumulação de capitais (largamente entendido como sendo um dos fatores determinantes do crescimento), vão se sintonizar nos aspectos que envolvem obter produtividade, além de fazer uso dos fatores tecnológicos para que assim, o progresso, de fato, aconteça. Resumindo esse ponto: o objetivo (a finalidade, pois) da economia, ao menos para os teóricos que se apóiam nos postulados neoclássicos continua sendo atingir elevadas taxas de crescimento; independente de quais caminhos se escolha para isso. Esses sofrem de uma patologia crônica: “a síndrome do crescimento”.
Conquanto, em extremo oposto, há aqueles que olham a economia pelas lentes do espectro puramente social e, por isso, não se esquecem das origens dessa ciência tipicamente humana, que esteve voltada, em momentos iniciais, na preocupação em medir e captar a realidade social. Esses certamente conseguem dar outra resposta à pergunta acima lançada.
É forçoso então reafirmar que para esses a real e significativa finalidade das ciências econômicas, no trato específico para com as pessoas, reside em atender as necessidades básicas dos pobres de todo o mundo. Essa seria, pois, a finalidade ímpar de uma ciência social: promover a ascensão das pessoas desfavorecidas, superando toda e qualquer injustiça que permeia o dia a dia daqueles que estão numa posição inferior na escala de acessos aos bens e serviços “oferecidos” pela atividade econômica.
A ciência econômica dispõe de “argumentos” plausíveis para fazer essa espécie de “revolução social” em prol daqueles que sofrem as constantes injustiças. É sabido que toda revolução social empreendida pelos que estão na parte de baixo carrega em si um caráter de universalidade, até mesmo porque constitui um protesto legítimo do homem contra a qualidade de vida que para muitos chega a ser inumana. Assim como nenhum deserto é tão árido e tão longo que não possa ser transposto, a economia é uma ciência que não pode ficar restrita aos laboratórios acadêmicos, trancafiada em gabinetes públicos. Essa ciência – feita pelos homens e para os homens - precisa ser posta ao serviço das pessoas, auxiliando-as na tomada de decisão em prol do benefício mútuo.


(*) Economista brasileiro, é especialista em Política Internacional.
Autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um Economista” e “Provocações Econômicas” (no prelo). Os artigos desse autor em torno de questões econômicas têm sido amplamente publicados no Brasil e no exterior, com destaque em Portugal, Cabo Verde e Angola, além de Rússia, Espanha, México e Equador.
Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br

A ECONOMIA E A VIDA



A Economia e a Vida
Marcus Eduardo de Oliveira (*)

Talvez o maior erro do sistema capitalista seja o fato de ter baseado a vida econômica na acumulação de capital, identificando isso como sinônimo de progresso.
Nesse sentido, acumular significa, grosso modo, enfatizar o “ter”, em detrimento do “ser”. Essa é a característica emblemática de um sistema que se assenta sobre todo e qualquer modo para se atingir essa finalidade; razão pela qual a exploração, em toda sua plenitude, é largamente observada na maneira e nos modos como esse sistema opera.
Pois bem. Ao ler o ensaísta equatoriano Eduardo Mora-Anda (A História dos Ideais), que faz consistente crítica sobre a maneira de proceder desse sistema, verificamos que “o capitalismo supõe que o dinheiro é fértil e deve produzir lucros, o que é mentira, porque o dinheiro, de per si, sem trabalho, não produz nada”.
No entanto, a ciência econômica, à lá mercantilização capitalista da vida, insiste em inverter essa situação e apregoar dentro dos mecanismos que comandam o mercado, que dinheiro gera dinheiro, que dinheiro trás felicidade.
Conquanto, quando a economia pelas mãos de Adam Smith, nas duas últimas décadas do século XVIII, se fez ciência, nasceu com o propósito de explicar o “progresso das nações”. Isso pode ser considerado um avanço à época, pois superava largamente a idéia mercantilista - que se consolidou a partir do período histórico da Revolução Comercial (séculos XVI – XVIII) - de que o acúmulo de metais preciosos era a finalidade ímpar, e a condição sine qua non, para se tornar forte e dinâmico; tudo isso, é claro, movido por algo “nobre”: a ação individual das pessoas. Era o individualismo correndo na busca pelo dinheiro; portanto, pelo “progresso”.
Desse modo, com Smith e os demais clássicos ingleses, o individualismo ganhou referência ímpar em termos de análise econômica. Isso serviu de base ao liberalismo econômico clássico; afinal, “os homens são por naturezas egoístas, motivados apenas por interesses próprios” dizia Dudley North.
Pois bem. Tomando por base essas primeiras lições econômicas, três idéias puderam ser afloradas: 1. É necessário acumular; 2. É preciso ser individualista; 3. Que se dane o resto.
Ora, tais pressupostos, decorridos mais de 230 anos, infelizmente se petrificaram a ponto de se converter em paradigma. No entanto, é preciso mudar essa história. Deus nos criou para amarmos as pessoas e utilizarmos as coisas. Todavia, por conta desses pressupostos, estamos também invertendo isso e amando as coisas e utilizando as pessoas.
Mas, algo precisa ser feito. Sugestão: a ciência econômica, “manipulada” pelos homens de bem, precisa encontrar alternativas nas políticas públicas para promover melhorias na vida das pessoas que participam da atividade econômica, ora produzindo, ora consumindo, trocando mercadorias, gastando seus recursos ou mesmo poupando-os. Isso é economia! Em outras palavras, a economia precisa funcionar para o bem maior, ainda que seja necessário algumas vezes remar contra a maré. Só faz sentido se pensar em Economia (enquanto ciência/conhecimento/atividade) quando “acoplamos” nas diversas variáveis econômicas a figura primordial do indivíduo, até mesmo porque toda a atividade produtiva gira em torno de quem? Gira em torno desse indivíduo que responde à economia com seus desejos e necessidades, indispensáveis à sua sobrevivência.
Na verdade, não importa saber se a economia (enquanto atividade) vai bem ou vai mal; o que realmente importa saber é quem (eu, você, nós) vai bem e quem (ele, ela, todos nós) vai mal na economia. Esse quem se refere às pessoas; somos todos nós, participantes da economia, ainda que, pela regulação econômica atual, cujo predomínio é dado pelas grandes corporações detentoras de capital, em que prevalecem apenas as exorbitantes taxas de lucros, nós, os participantes da vida econômica, sejamos colocados como meros coadjuvantes, e não como as personagens principais desse enredo.
Há problemas diversos a serem superados? Há dificuldades por vezes que se apresentam intransponíveis? Há limites impostos pelas leis da natureza? Há escassez a serem dribladas, principalmente quando essas são “criadas” adredemente para que os preços subam? Para cada uma dessas indagações, a resposta é SIM.
Conquanto, há ainda algo muito mais importante a ser feito: é a necessidade de se consolidar em cada um de nós o sentimento plausível da construção de outra economia. Que outra economia? Essa outra economia é possível e alcançável? Sim. Essa outra economia que aqui faço alusão é humana, é social, é equilibrada ecologicamente. Essa outra economia é justa e participativa, é solidária e fraternal, é coletiva, e não individual, apesar dos manuais acadêmicos recomendarem a prática sistemática do individualismo como dissemos anteriormente.
Essa outra economia passa pela solidariedade e aponta dedo em riste para o lado social como porta de entrada para um mundo melhor, sempre esperando que os novos modelos econômicos de crescimento englobem o indivíduo como ponto focal em suas análises.
A economia não é somente o mercado e as mercadorias. A economia não são somente as taxas, os índices, os indicadores, os lucros, os grandes conglomerados, as finanças, os números e os gráficos que compõem o universo de análise técnico-acadêmica. A economia é o indivíduo que trabalha, que produz, que negocia, que vive, que carece de ajuda, que sonha com um amanhã melhor.
A outra economia que, creio, todos queremos, é a economia do crescimento com qualidade, com equilíbrio, com justiça social. É a economia que soma e inclui; não aquela que divide e exclui e, por isso, se torna desigual, acumulando injustiças sociais, indo muito mal. A economia que queremos não é aquela que torna a “sociedade malvada” nas sábias palavras do professor Paulo Freire (1921-97). A economia que todos queremos é dinâmica e expansiva e, por isso (e também para isso), capaz de “construir um mundo onde todos ganhem”, nas palavras da economista Hazel Henderson.
A economia que queremos deve se pôr à serviço das pessoas, e não esperar que as pessoas se coloquem à serviço dessa economia. A economia que ansiamos reconhece o papel das pessoas e respeita os limites da biosfera ao não propor, por exemplo, um crescimento a qualquer preço, sem regras estabelecidas. A economia que queremos ver praticada em nossa sociedade propõe trocar o atual modelo de crescimento (expresso em quantidade) por um modelo de desenvolvimento (expresso em qualidade), até mesmo porque, em momento algum, quantidade significou qualidade. Quantidade satisfaz apenas a ganância e a mesquinhez consumista; enquanto qualidade satisfaz o espírito e enobrece as relações humanas.
A outra economia que esperamos ver em breve nos próximos tempos se preocupa com a felicidade das pessoas, busca o bem estar comum. A outra economia que sonhamos, por fim, sabe de seus limites e se reconhece como apenas um meio, pois compreende firmemente que se há um final, esse certamente é a vida de cada um. E que essa vida seja economicamente melhor para todos – e por todos - com bem-estar e com capacidade de sempre se renovar para continuar sua evolução, com limites, com respeito, com organização democrática, com a participação coletiva.
A ciência econômica nasceu para isso. Disso não tenhamos dúvida. A Economia – ciência - nasceu para apontar alternativas na construção de um mundo melhor, para propor caminhos que levam cada um de nós a escolher as melhores decisões, maximizando nossos desejos e esperando que o coletivo se fortaleça, pois não há progresso verdadeiro quando o próximo passa fome.
A economia se fez ciência definitivamente para junto às outras ciências definir soluções responsáveis em matéria de boa governança na aplicação do dinheiro público, visto que a “alimentação” dos cofres públicos sai do bolso do contribuinte.
A ciência econômica nasceu, sobretudo, para promover a democracia econômica e, a partir do resgate da valorização das ações coletivas promover algo mais: a libertação de cada um de nós e do todo.
Para tanto, é necessário que estejamos adaptados e preparados para essas mudanças. Quanto a isso, não tenhamos dúvidas que a economia muda, em geral, mais rapidamente do que a nossa capacidade de organizá-la. Por isso, entender a economia e seus meandros (macro e microeconômicos) são fundamentais para a realização dessa mudança.
Definitivamente, a ciência econômica precisa se firmar adotando uma postura em favor da natureza (crescer sem destruir) e da vida (eliminar a exclusão e priorizar o indivíduo). Para tanto, é imprescindível condenar o individualismo que reina às soltas nas noções iniciais de economia e incorporar, em seu lugar, os princípios da economia solidária pautadas na cooperação. Por fim, as técnicas econômicas precisam ser redesenhadas pondo os meandros da macroeconomia à serviço de um bem maior: a vida; afinal, cabe reiterar, o fim é a vida, e, o meio, pode ser a ciência econômica.


(*) Professor de economia da FAC-FITO e do UNIFEIO (São Paulo)
Autor dos livros “Conversando sobre Economia”, “Pensando como um Economista” e “Provocações Econômicas” (no prelo).
Os artigos desse autor em torno de questões econômicas têm sido amplamente publicados no Brasil e no exterior, com destaque em Portugal, Cabo Verde, Espanha, México, Galiza e Angola, além do jornal PRAVDA (Rússia).
Contato: prof.marcuseduardo@bol.com.br